sexta-feira, novembro 04, 2005

Oia eu aqui , gente!!!

Trancando a porta.
Eu costumo me trancar - como naquelas narrativas em que o espaço é fundamental, eu me tranco física ou mentalmente para o que eu nem sei que é. E me chamam louca: só por não querer sair da minha bolha até achar que devo sair dela? Só por não beber quando todos bebem ou falar quando todos falam; por fechar os olhos quando acordam me chamam excêntrica - eu, que me sento na varanda e conto as folhas secas caídas no chão, antes que voem para longe de meu alcance. Eu conto as folhas e os passos porque sei que jamais voltarão. Não posso perder minha lucidez - eu me agarro a ela como quem naufraga apesar de todas as prevenções. Naufragamos quando nos acomodamos, e preciso estar em movimento para não desequilibrar o lado que me fará cair. Que seja o lado inverso da minha fraqueza aquele que me sustentará - eu, que não tenho medo de ser mas não aprendi a acumular coisas sobre a terra. Eu, que não me sinto segura - a segurança é algo que inventaram, não é? Nunca estamos a salvo, porque não há perigo. Nunca ninguém se perdeu Tudo é verdade e caminho* E se eu resolver sair do caminho? Eu posso negar o que sou - eu sou as teorias que aprendi na escola -, posso resolver cortar os cabelos e pintar as unhas com as cores que sempre me proibi escolher. Eu posso, e só Deus ou o demônio sabem o que isso significa. Ou antes, o homem sabe: é o livre-arbítrio. Eu tenho o que quero ter, sou o que quero, tudo parece ser uma escolha que fazemos quando estamos sonolentos - jamais nos lembramos dela. Então nasce a ciência de pôr a culpa nos outros. Eu o culpo porque o fardo é pesado demais para ser suportado, eu imploro a sua solidariedade quando entrego a você a responsabilidade que é minha. Não, não, eu estou falando de problemas que não são meus. Não agora. Eu estou justificando de maneira sóbria a minha bolha, o meu castelo imaginário, onde aguardo que o tempo passe e a profecia da bruxa não aconteça - eu que sempre acreditei em bruxas, mas elas sempre duvidavam de mim. No fim, se é que existe um fim para algo, as bruxas não existem como eu as pintei - nem eu existo com o ceticismo ao qual elas me condenaram. Estávamos erradas ambas, e não sei qual de nós existe menos. Sim, eu tenho a resposta para o que procuro. A palavra é mudança - mas estou tão cansada de mudar, eu mudo tanto que não me lembro mais de como era no início. Onde foi mesmo o início? Não conheço histórias inteiras - as pessoas para mim são partes, pedaços, que vão espalhando por aí. Eu não quero costurar meu pedaços porque não saberia a quem entregá-los - eu que fui educada para ser uma mulher sóbria e responsável e independente e sozinha. Eu digo sem comoção alguma aquilo que sou, por não ter medo de me decepcionar com os passos que dei. As folhas continuam caindo, as nuvens se movem no céu e se transformam em chuva; a segurança que tenho é que, se eu sair muito dos padrões, serei como uma folha seca - uma parte, um pedaço cumprindo sua função no universo. Então não haverá glória nem danação eternas, apenas o ciclo interminável de mudanças. Como uma dança, me disseram, a (mu)dança da vida. Eu, que nunca fui do tipo que se afirma o tempo inteiro por medo de parecer tola; eu, que não entreguei meu erro, fosse qual fosse, a quem nada tinha a ver com ele; eu, que suporto o peso dos meus ombros e da minha consciência, peço: não veja minhas palavras como quem cala sua vergonha e mente. Porque eu estou diante de um espelho, nenhuma mentira me é permitida, e meu sorriso e meu desespero têm a mesma intensidade.
*Fernando Pessoa

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